O Brasil precisa investir em energia atômica? O governo federal acha que sim e retomou o programa nuclear do país, que se arrastava desde o acidente com a usina de Chernobyl, em 1986, na extinta União Soviética. Os planos incluem terminar as obras de Angra 3, paralisadas há 24 anos, e, depois, construir pelo menos mais quatro centrais termonucleares até 2030. Duas delas vão ficar no Nordeste, e, as outras duas, no Sudeste. A polêmica decisão tem recebido duras críticas de entidades ligadas à defesa do meio ambiente, e o debate vai se transformar em uma guerra nos próximos anos.
Entre os principais opositores da ideia estão ambientalistas e ONGs, que acham essa tecnologia perigosa e cara. Para o Greenpeace, faz mais sentido gastar com parques eólicos, vistos pelos ativistas como mais competitivos, ambientalmente corretos e seguros. Já os defensores da opção nuclear incluem o Palácio do Planalto, os Ministérios de Minas e Energia e da Ciência e Tecnologia e organizações e empresas diretamente ligadas ao setor. O grupo afirma que os riscos são mínimos e que as usinas são necessárias para dar conta do crescimento da demanda por energia nos próximos 20 anos.
A disputa começou com uma vitória do governo. No dia 31 de maio, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) concedeu a licença definitiva para a construção de Angra 3. Com isso, a Eletronuclear, responsável pela operação das usinas nucleares no país, pôde retomar as obras. Serão necessários pelo menos mais 8,5 bilhões de reais para terminar o projeto. De acordo com dados fornecidos pela estatal, o custo da paralisação foi de 1,6 bilhão de reais, dos quais cerca de 650 milhões de reais se destinaram à manutenção dos equipamentos, adquiridos no início da década de 80. A conclusão das edificações está prevista para 2015. Depois disso serão feitas as quatro novas unidades.
PRESSÃO DO FUTURO
Por trás dos planos de construção de novos reatores está um estudo, o Plano Nacional de Energia 2030. A análise, feita em 2007 pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia, indica que a demanda por eletricidade no Brasil vai crescer entre 90% e 175% até 2030, em relação a 2010. Para lidar com a expansão do consumo nas próximas duas décadas e evitar apagões, a EPE indicou como deveria ser o aumento na produção de energia. Está prevista, por exemplo, a expansão de hidrelétricas e de parques eólicos. Mas a pesquisa também recomendou a geração de um mínimo de 4 gigawatts adicionais por meio de centrais termonucleares.
As discussões sobre os locais onde ficarão instaladas as novas usinas no Nordeste já começaram no Congresso Nacional. Quatro estados estão entre os possíveis escolhidos: Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Como precisam de um volume considerável de água - que, com o calor gerado a partir da fissão (separação) dos átomos de urânio no reator, é aquecida, vira vapor e movimenta turbinas, gerando energia -, as unidades terão de ficar na orla marítima ou ao lado de grandes rios, como o São Francisco e o Jequitinhonha. Pouco se falou sobre as futuras usinas do Sudeste, mas elas deverão ocupar algum ponto do litoral do Rio de Janeiro, de São Paulo ou do Espírito Santo, ou, ainda, a bacia do Rio Paraná.
Definidos os lugares, as novas termonucleares dependem da aprovação de uma lei federal para sair do papel. No momento em que deputados federais e senadores começarem a analisar o texto do projeto - o que ainda levará alguns anos -, o debate entre defensores e opositores vai se intensificar...
O número de adversários da ideia provavelmente crescerá bastante. O medo de um acidente grave, que poderia causar contaminação radioativa e matar milhares de pessoas, certamente vai provocar forte resistência dos moradores das cidades selecionadas para abrigar as novas centrais.
MEGATONS DE CRÍTICAS
Não são poucos os problemas apontados pelo Greenpeace no programa nuclear brasileiro. "A questão nuclear no Brasil é tratada com descaso pela segurança e com falta de transparência", diz André Amaral, coordenador da campanha nuclear da ONG no país. Ao mesmo tempo em que fiscaliza o setor, a CNEN é a maior acionista das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), que atuam na produção de urânio, e da Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), fabricante de componentes. Na sua estrutura também estão instituições de pesquisa. "Modelo igual, só no Irã e no Paquistão", afirma André. O problema também foi identificado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, num relatório de 2006. Na época, a CNEN informou que trabalha para se desfazer de suas ações da INB e da Nuclep, por meio de um projeto de lei. Mas até hoje nada mudou.
O Greenpeace também aponta falta de transparência. Segundo a ONG, relatórios de segurança são tratados como documentos sigilosos, sob alegação de que guardam segredos industriais e de que sua divulgação poderia afetar a soberania nacional. "Na França, as pessoas são estimuladas a ler esses documentos. A gente tem um setor nuclear estruturado como foi criado, no regime militar", diz o ativista. Segundo ele, pareceres técnicos contrários a algumas decisões, como a construção de Angra 3, costumam ser ignorados pelos diretores.
Há também a questão do lixo nuclear, hoje depositado em piscinas de resfriamento dentro de Angra 1 e 2. Um depósito definitivo para esse material só deverá ser construído em 2026. "Temos energia gerada a preços altíssimos. Só não é mais cara que a produzida por algumas térmicas e solares. A eólica já é mais barata", afirma André. "No ano passado, instalou-se uma capacidade eólica de 37 gigawatts, maior do que a nuclear instalada em 15 anos. Temos um potencial enorme para geração renovável no Brasil." Ele também critica os reatores PWR de Angra 1, 2 e 3, cujo design é da década de 70 e já está ultrapassado. "São bombas atômicas no nosso jardim."
O Greenpeace não está sozinho. Outras ONGs, como a Fundação Heinrich Böll, que tem sede na Alemanha e mantém um escritório no Brasil, se declararam opositoras da energia nuclear. Vários especialistas do meio acadêmico também engrossam o grupo. Entre eles está Heitor Scalambrini Costa, professor da Universidade Federal de Pernambuco. "O Brasil tem um potencial gigantesco de geração eólica e solar. Podemos nos beneficiar de investimentos feitos agora nessa área, em pesquisa e desenvolvimento, e ganhar com isso no futuro, exportando tecnologia", diz. Segundo ele, ainda que existam poucas chances de ocorrer um acidente numa central termonuclear, elas não são nulas. "Não podemos acreditar nos que dizem que a tecnologia nuclear amadureceu e é infalível."
DEFESA BLINDADA
Os defensores da energia nuclear rebatem os argumentos levantados pelos seus adversários. Segundo Leonam dos Santos Guimarães, assistente do diretor-presidente da Eletronuclear, não faz sentido dizer que a energia eólica custa menos. "É preciso levar em conta o fator de capacidade", diz.
O número indica a relação entre a quantidade de energia produzida por uma usina ao longo de um período e sua capacidade máxima no mesmo tempo. "Nas eólicas, fica entre 25% e 30%. Em Angra 2, é de 82%", afirma. Para ele, mesmo a questão do lixo nuclear é ideológica. "Não é lixo: 90% do material será reciclado um dia." Segundo o executivo, o Greenpeace critica a energia nuclear porque isso está no seu DNA. "Resistência sempre haverá." A possibilidade de ocorrer um acidente grave, com extensos danos ambientais, em Angra ou nas futuras usinas, também é considerada mínima pelo grupo. "A chance de um Boeing cair é muito pequena, mas eles caem. Nem por isso as pessoas deixam de voar", diz Guilherme Camargo, presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben). Ele afirma que a produção de gases estufa por termonucleares é quase nula, o que as torna ambientalmente limpas. "O Brasil precisa de energia elétrica, e de todas as fontes disponíveis. O resto é o blá-blá-blá dos opositores de sempre." Pelo visto, de um lado e de outro, os bombardeios já começaram.
AS MINIUSINAS VÊM AÍ Como grandes termonucleares são caras, empresas de diferentes países vêm desenvolvendo miniusinas. As unidades têm reatores capazes de gerar entre 30 e 300 megawatts. São instaladas geralmente no subsolo e podem ser refrigeradas a água, sódio líquido, hélio ou até sal fundido. Uma lista detalhada dos
projetos está disponível no site.
CADÊ O SUBMARINO?
A ideia de criar um submarino brasileiro com propulsão nuclear surgiu em 1979. Nos anos 80, a iniciativa foi acusada de servir de fachada para a construção de uma bomba atômica. O governo negou. Recentemente, o projeto foi retomado. O reator está sendo desenvolvido pelo Centro Experimental de Aramar, em Iperó (SP). O submarino deve ficar pronto só em 2020.
OS QUATRO PIORES ACIDENTES NUCLEARES
Chernobyl O reator 4 da usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, explodiu em 25 abril de 1986, depois de um teste de rotina, e espalhou radioatividade na atmosfera. Cientistas calculam que 4 000 pessoas vão morrer por causa da contaminação.
Mayak
A indústria química de Mayak, na Rússia, fabricava plutônio para armas nucleares. Em 29 de setembro de 1957, um tanque contendo lixo atômico explodiu. Ao todo, 272 000 pessoas foram expostas à nuvem de radiação.
Windscale Os dois reatores de Windscale, no Reino Unido, também foram criados com fins militares. No dia 10 de outubro de 1957, um deles pegou fogo, liberando uma nuvem radioativa. Não se sabe quantos foram afetados.
Three Mile Island Em 28 de março de 1979, um defeito seguido de falha humana causou o derretimento parcial de um reator na usina de Three Mile Island, nos Estados Unidos. A construção de novas unidades no país ficou paralisada por 31 anos.
Fotos Creative Commons/Tim Suess e Wikimedia Commons
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