Afirma enviado dos EUA para Mudanças Climáticas
19/03 - 22:21 - Natasha Madov, iG São Paulo
É o que afirma o principal negociador para mudanças climáticas do país, Todd Stern, que está em passagem pelo Brasil para ratificar o acordo de cooperação bilateral assinado pela secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, no mês passado.
Todd Stern: a responsabilidade pelo aquecimento global precisa ser dividida
iG: Como o senhor avalia o resultado do encontro em Copenhagen, em dezembro passado?
Todd Stern: Foi uma reunião muito difícil, em vários aspectos, mas o resultado final foi bastante importante. Não foi o que todos queriam, mas, no nosso ponto de vista, teve resultados positivos. O acordo de Copenhagen foi negociado por um grupo extraordinário de chefes de Estado, e incluiu um número importante de metas. Foi a primeira vez que esses países tinham um objetivo claro, que era tentar segurar o aumento de temperatura em 2 graus centígrados, e todos estavam cientes da importância da tecnologia, das florestas e da transparência nas ações. É um acordo curto, incompleto, mas é um importante passo à frente.iG: A ONU (Organização das Nações Unidas) pediu recentemente que o trabalho do IPCC fosse revisado, após a descoberta de alguns erros. O que o senhor acha disso?
Todd Stern: Foi uma atitude inteligente da ONU, que ajuda a solidificar a confiança do público. Sim, existem erros, mas o fundamental não mudou. Existe uma quantidade gigante de provas que o planeta está ficando mais quente. São literalmente milhares de estudos, tanto do IPCC quanto de outras fontes, que apontam nesta direção. Só o trabalho do IPCC é imenso, vários volumes com milhares de páginas. A revisão vai ajudar com que se evite esses erros no futuro, mas no fundo nada mudou.iG: Os últimos acontecimentos têm ajudado os "céticos do clima", que acham que o aquecimento global não existe?
Todd Stern: Sabe, acredito que deve ter havido um pequeno aumento no número deles, mas não acho que seja significativo a longo prazo. Existem pessoas interessadas em se opor ao aquecimento global, mas os eventos são de tal ordem que as provas vão continuar aparecendo. Gostaria que não fosse assim, mas é o que acontece; todo mês, toda semana, todo dia surge algo novo que comprova os fatos, como o derretimento das geleiras.iG: O que a administração Barack Obama está fazendo para combater as mudanças climáticas?
Todd Stern: O presidente está extremamente focado nisso, estava ainda antes da sua posse. O pacote de estímulo à economia que ele aprovou no início do seu mandato previa um investimento de 80 bilhões de dólares em energias limpas. Em um ano normal, um investimento desse tipo seria da ordem de três ou quatro bilhões (de dólares).No ano passado a EPA (sigla em inglês de Agência de Proteção Ambiental dos EUA) estabeleceu padrões de economia de combustível para os veículos. Estamos nos esforçando para mudar a legislação, e nossa proposta está aguardando no Senado. Agora a EPA está estudando regulamentações para o setor elétrico. Isso no âmbito doméstico.
Internacionalmente, houve um compromisso imenso. O governo anterior não estava envolvido neste tema, e quando o presidente Obama assumiu foi estabelecido, praticamente desde o primeiro dia, o cargo de Enviado Especial, que nos colocou de volta ao plano das discussões multilaterais. Estamos procurando acordos bilaterais com vários países, inclusive o Brasil, com quem acabamos de fechar no mês passado um acordo de cooperação.
iG: Como é este acordo?
Todd Stern: Ele contempla muitas frentes. Uma é diplomática: aproximar o diálogo, discutir cooperativamente e trabalhar em conjunto em relação à direção das negociações sobre mudanças climáticas. Uma boa parte do foco vai ser em uso da terra, cuidados florestais, energia, biocombustíveis, eficiência energética, pesquisa científica. O acordo é bem vasto. Assinamos também acordos com a China e a Índia, e estruturamos o Fórum das Maiores Economias, que o presidente Bush iniciou, e colocamos um foco em emissões de carbono. O primeiro grande encontro foi ano passado, na Itália, mas as reuniões continuam.iG: Os EUA pretendem cooperar com o Brasil na pesquisa de biocombustíveis e energia renovável?
Todd Stern: O Brasil tem um trabalho impressionante nessa área, é o líder mundial e sim, esse é um dos campos em que gostaríamos de trabalhar em cooperação. Temos algumas coisas a aprender com o Brasil.iG: Como lidar com a questão das emissões da China?
Todd Stern: A China é um grande desafio. É um país que mostra para onde a diplomacia das mudanças climáticas tem que ir. Tradicionalmente, em acordos como o de Kyoto, os países desenvolvidos devem agir, e os em desenvolvimento não precisam se comprometer. Essa divisão não pode continuar se quisermos realmente resolver o problema, e a China é o melhor exemplo do porquê disso. É o maior emissor de gases-estufa do mundo, e está crescendo. E ela não está sozinha. Economias emergentes como o Brasil também desempenham um grande papel. Os países desenvolvidos têm sua responsabilidade histórica, mas todos têm que agir, e por isso encaro o acordo de Copenhagen como um avanço, pois todos concordaram em submeter suas propostas para reduzir as emissões e todos fizeram isso, até 31 de janeiro deste ano. Isso nunca tinha acontecido antes.iG: O senhor foi o negociador do Protocolo de Kyoto durante o governo Clinton, e está agora de volta como Enviado Especial de Mudanças Climáticas do governo Obama. O que mudou de lá para cá e por que os Estados Unidos não ratificaram ainda o Protocolo de Kyoto?
Todd Stern: Desde 1997, algumas coisas continuam as mesmas, mas muito mudou. A maior diferença é que agora os países em desenvolvimento são os maiores emissores de carbono. Nós sabemos que historicamente esse papel cabia ao Primeiro Mundo e temos que agir de acordo com isso. Mas nós vivemos pensando no futuro, e não no passado. O paradigma básico de Kyoto, que os países em desenvolvimento não tinham responsabilidade nas emissões, simplesmente não funciona mais, e muitos enxergam isso.Alguns países se agarram a Kyoto, mas cada vez mais os governos reconhecem essa mudança e que o mundo tem que descobrir um meio de mudar essa situação pela via diplomática.
A respeito dos Estados Unidos, nunca houve um apoio político real a um acordo cujas obrigações fossem todas aos países mais ricos. Havia muita oposição. E o tema não era ainda tão premente - havia oposição das indústrias, que não queriam aumentar seus custos, e de grupos conservadores. A opinião pública também não sentia a necessidade de ações urgentes. Estes problemas ainda não acabaram, mas a situação melhorou muito agora.